Por www.padrepauloricardo.org
O quinto ciclo de catequeses de São João Paulo é essencial para a Teologia do Corpo porque aborda justamente o sacramento do Matrimônio cristão.
Muitos estranharam o fato de que a questão do celibato tenha vindo primeiro. É simples: a doação de si mesmo por amor ao reino dos Céus, sinaliza que a humanidade tem por finalidade um outro casamento, o qual será vivido na eternidade: o casamento entre Cristo e a Igreja, que o Livro do Apocalipse chama de “as núpcias do Cordeiro”.
Todavia, o matrimônio não é entendido como sendo um sacramento por todos. A denominação luterana, por exemplo, alega que, como os sacramentos são sinais instituídos por Nosso Senhor Jesus, o matrimônio não se encaixaria neles pelo simples fato de existir antes da Encarnação, ou seja, não foi instituído por Cristo. Os católicos, porém, crêem que o matrimônio natural (de fato, anterior ao advento do Senhor) foi elevado por Deus à condição de sacramento. São João Paulo escolheu como fundamento bíblico para esta afirmação o texto da Carta de São Paulo aos Efésios 5, 21 e seguintes:
Sejam submissos uns aos outros no temor a Cristo. Mulheres, sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja. E assim como a Igreja está submissa a Cristo, assim também as mulheres sejam submissas em tudo a seus maridos. Maridos, amem suas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela; assim, ele a purificou com o banho de água e a santificou pela Palavra,para apresentar a si mesmo uma Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou qualquer outro defeito, mas santa e imaculada. Portanto, os maridos devem amar suas mulheres como a seus próprios corpos. Quem ama sua mulher, está amando a si mesmo. Ninguém odeia a sua própria carne; pelo contrário, a nutre e dela cuida, como Cristo faz com a igreja, porque somos membros do corpo dele. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne. Esse mistério é grande: eu me refiro a Cristo e à Igreja. Portanto, cada um de vocês ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido. (Ef 5, 21-33)
São Paulo descreve o relacionamento de um casal, homem e mulher, esposo e esposa, porém, no final, afirmará que aquela descrição, na verdade, refere-se a Cristo e à Igreja.
A palavra mistério, em latim, quer dizer “sacramento” e é justamente o uso deslocado dessa palavra que possibilita ao Papa João Paulo II afirmar que o matrimônio é um sacramento primordial, ou seja, quando se diz que homem e mulher se tornarão uma só carne (desde o Gênesis, há que se contar), na verdade, se está também falando do relacionamento entre Cristo e a Igreja, quando todos serão um só corpo. Passa-se da ordem natural para a ordem sobrenatural.
Portanto, a partir de Cristo, o matrimônio entre dois batizados passa a ter um caráter sacramental, pois eles recebem da Cruz - de onde brotam todas as graças - a graça santificante que faz com que possam ser doação mútua, e a fidelidade dos dois reflete a fidelidade de Cristo e da Igreja
A compreensão deste capítulo de Efésios passa também pelo entendimento do que significa a submissão da mulher, mencionada pelo Apóstolo. Hoje em dia, o movimento feminista vem acusando a instituição do matrimônio como sendo a escravidão da mulher. Alega que a esposa seria a escrava sexual do esposo e que estaria contra a sua vontade, sob o jugo do marido. Mas, é isto que a passagem que está dizendo?
O versículo 21 afirma: “Sedes submissos uns aos outros no temor a Cristo”. O Papa João Paulo II aponta para um aspecto fundamental na compreensão do que significa “submissão”. No Antigo Testamento e em hebraico, quando se fala dos sete dons do Espírito Santo, na verdade, esses dons são seis. Isso ocorre porque a palavra “temor” aparece com dois significados diferentes. Piedade e temor, essas são as traduções usadas e, alerta o Papa, na hebraica, existe realmente o aspecto de piedade dentro do conceito de temor.
Ora, dentro da família, a instituição familiar como tal, exige uma certa submissão mútua das pessoas sob a virtude da piedade (que é um aspecto do temor do Senhor). O mandamento do amor universal está em pleno vigor, ou seja, é preciso amar a todos os homens. Em relação às pessoas da própria família é preciso mais do que o amor caritas, é necessário a virtude da piedade, que consiste no reconhecimento do vínculo espiritual existente na família. As pessoas, então, passam a amar não somente pelas razões naturais, mas por uma razão sobrenatural, que é Cristo.
Quanto à submissão da mulher ao marido que aparece também em outras Cartas de São Paulo, é preciso fazer uma distinção entre a ordem natural e a sobrenatural, como ela seria sem o pecado original e como se tornou após o pecado. Para tanto é preciso adentrar no campo da política.
Os grandes filósofos antigos Platão e Aristóteles, afirmam que existem três formas de se governar: monarquia (o governo de um), aristocracia (o governo de uma classe de pessoas nobres) e a democracia (o governo de todos). Eles se questionaram qual seria a melhor forma. Talvez, influenciados pelo tempo presente, alguns ousariam responder que é a democracia, no entanto, os filósofos apontaram para outro regime.
Disseram que, numa sociedade de pessoas virtuosas, o melhor governo, de fato, é a monarquia. Nesse caso, porém, a virtude seria um requisito e, existindo, esse grupo de pessoas virtuosas, naturalmente haveria de procurar alguém ainda mais virtuoso que as governasse. E assim se daria o regime ideal.
Contudo, existe um problema apontado pelos filósofos e também por Santo Tomás de Aquino em seu Comentário à Política de Aristóteles: numa sociedade pervertida (sem pessoas virtuosas), a monarquia se transforma rapidamente em tirania.
Portanto, na atual circunstância da socidade, não virtuosa, o melhor regime é mesmo a democracia. Como as pessoas são pecadoras, este regime faz com que um pecador limite o outro e, assim, ninguém prevalece. De todos os regimes ruins, a democracia é o menos pior.
Pensando na realidade da família, Jesus fala sobre um exercício da autoridade completamente diferente daquele que é o exercício dos pagãos, não convertidos. Quando Ele fala sobre a autoridade diz: “Entre vós não será assim, o primeiro seja o servidor de todos”. Esta é a forma de se exercer a autoridade para Cristo: servindo.
Nesse sentido, ao marido se diz: “amai vossas mulheres…” ele é chamado a derramar seu sangue por ela e pelos filhos como Cristo derramou o Seu pela Igreja. A forma de se exercer a autoridade dentro da família, como se apresenta na Carta aos Efésios, dentro do contexto geral do exercício de autoridade no cristianismo é completamente diferente daquilo que seria uma tirania dos maridos sobre as mulheres.
Não se trata, é claro, de defender que o marido é o líder, chefe, o cabeça da família a qualquer preço e sob qualquer circunstância. Não. Assim como Santo Tomás admite que a monarquia é o projeto de Deus, mas não em qualquer situação, assim também acontece na realidade familiar. Deveria haver uma submissão da esposa ao marido, se este fosse realmente virtuoso. Isso tem um fundamento teológico e também natural.
Infelizmente, a inegável superioridade física do homem que deveria ser para protegê-la, ser um serviço, tornou-se uma tirania por causa do pecado original. Desse modo, o marido passou a exercer um despotismo sobre a mulher e os filhos que não tem fundamento na realidade das coisas. O esposo é, de fato, a cabeça da família, mas isso não é uma realidade absoluta, ela só se explica de estiver dentro da virtude. Portanto, a mulher e os filhos devem ser submissos ao marido, se este der a vida por ela e pelos filhos, como Cristo deu a vida Dele pela Igreja. Este é o sentido da submissão.
São João Paulo dá um passo além quando ousa chamar o sacramento do matrimônio de primordial. Quando era jovem, antes mesmo de entrar no seminário, conheceu um leigo, um místico e que considerava como sendo um verdadeiro santo e foi apresentado ao pensamento de São João da Cruz. O jovem Karol chegou a aprender espanhol para poder estudar o grande santo carmelita que compara a alma com a esposa e Deus com o esposo, ou seja, fala sobre o amor esponsal.
São João da Cruz aponta para uma intuição básica e fundamental: o amor, para o cristianismo, é um dom de si, ou seja, a doação de si mesmo é que constitui o amor. A partir disso é que se vê o fundamento do que será o matrimônio: o casal irá se doar mutuamente. Ora, se o amor é dom de si e se Deus é amor, o que se percebe é que na Trindade essa doação mútua também existe. No plano natural, o matrimônio, no sobrenatural, a Trindade. Assim, o amor trinitário se encontra refletido na realidade do casal.
O homem é imagem de Deus não somente de forma individual, mas também o casal o é. Este é o fundamento do matrimônio como sendo um verdadeiro sacramento.
Não somente a doação dos esposos, mas a prole, a realidade familiar, tudo contribui para São Paulo dizer: “é grande esse mistério”, que Deus realiza nos céus, desde todos os tempos e que criou um reflexo na Terra, um vestígio da Trindade no casal que se ama. Portanto, a doação mútua, como ensina São João Paulo, é um grande trampolim para a espiritualidade.
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