Por
Paula Beckher
O título é de Raul Seixas e a imagem é de um selo Português que homenageia o poeta Fernando Pessoa
.
Antes,
eu escrevia para desabafar, por rebeldia e para sonhar. Desde sempre escrever
me serviu muito – a serventia, no entanto, sempre me foi um mistério. Toda
santa vez que eu quis colocar o uso da escrita a favor de meus interesses imediatos,
ela falhou. Deus está querendo me ensinar a ter visão, não é de hoje. Até que
enfim chegou o dia em que consegui tirar a trave do meu olho. E eu cega estava
tentando fazer todo mundo ver. Ver o que? Ver que eu também não via. Hoje escrevo para agradecer.
Era
para ver o que eu não preciso de olho são para reconhecer, ver o essencial, o
que vibra dentro do coração de cada ser que vive, nasce, cresce e morre. Mas
isso não é de ver, veja bem, é de sentir!
Antes
do ver, vem o sentir. Eu não via por estar muito ocupada para conseguir sentir
o que eu estava sentindo, ocupada em pensar e racionalizar, porque sentir doía
e aí eu escolhia pensar o sentimento para ele parar de doer mais rápido. Mas o
que acontecia era o contrário: aí é que doía e a dor não ia embora nunca mais,
e só faltava mesmo era o que eu mais queria, era a alegria.
Cada
macaco no seu galho: resolvi pensar com o pensamento e sentir com o sentimento
e parei de trocar essas bolas, seis não é nove, afinal. Um autor muito famoso,
múltiplo e apaixonante confessou sentir com o pensamento e observou o
comportamento do homem ordinário, mediano, comum:
“A
maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem
vulgar, sentir é viver, e pensar é saber vive Para mim, pensar é viver e sentir
não é mais que o alimento de pensar.”
Foi
o Fernando Pessoa. Aquele que se você já leu, sabe que tem o dom de tocar
almas! Pessoa escrevia para colocar a alma em algum lugar, escrevia por não
conseguir de forma alguma aceitar a vida, não arrumava jeito de colocá-la na
vida em ação. Ele não tinha talento nenhum para a vida mundana como ele mesmo
relatou em muitos de seus poemas. O poema abaixo, assinado por um dos seus
heterônimos, o Álvaro de Campos, “Se te Queres Matar”, reflete um pouco dessa
condição do poeta:
“Se te queres matar, por que não te
queres matar? Ah, aproveita! Que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse
matar-me, também me mataria... Ah, se ousares, ousa! De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas A que chamamos
o mundo? A cinematografia das horas
representadas Por atores de convenções e poses determinadas, O circo policromo
do nosso dinamismo sem fim? De que te serve o teu mundo interior que
desconheces? Talvez, matando-te, o conheças finalmente... Talvez, acabando,
comeces... E, de qualquer forma, se te cansa seres, E não cantes, como eu, a vida por bebedeira, Não saúdes como eu a morte
em literatura!”
Talvez
saudar a vida deva ser saudar também a morte, que nos acompanha a cada passo do
caminho de casa para o trabalho, do trabalho para a casa, como uma sombra, que
nos atormenta a consciência mundana, os apegos, os sentimentos, o eu frágil e
vulnerável, o coração exposto... Entendo que a morte seja um tema doloroso,
delicado, e principalmente, que eu levo mais uma vez aqui a minha trave no
olho: possuo o teto de vidro e nenhuma imunidade à fatalidade do fim.
E
por fraqueza deliro pela imortalidade do meu tempo vivido; por apego sonho
jamais ser esquecida; por medo do desaparecimento construo castelos de areia e
moinhos de vento... Mas serei de fato esquecida, presumo meio atordoada, um
tanto aborrecida. A morte é a natureza da vida! Assim também o é a dor, a fome,
a miséria, a hipocrisia, o egoísmo, o isolamento, a violência e todas as
mazelas produzidas pelas mentes doentes de todos nós em uníssono e inércia.
Mentes
sedentas pelo bálsamo da cura, cansadas, cegas, em busca do perdão, da
liberação, da rendição, do contentamento, da abundância, da verdade, da
comunhão, do carinho e do amor... Mentes que, sem se verem ou reconhecerem a si
próprias e justamente por isso, transformam pequenos gestos, singelos sorrisos,
breves olhares, suaves toques de amor compartilhado em saudade... Para curar o hematoma, mudar o padrão, virar a página, refazer o refrão, só
mesmo as milagrosas pílulas diárias de gratidão. Vide Bula: usar sem moderação.
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