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A criança, a jovem, a velha e o mistério

O vazio em dia chuvoso em Paris e a beirada do meu guarda-chuva


Antes eu era criança. Hoje sou jovem. (A minha idade não importa em nada.) Antes eu era criança e hoje sou jovem, pois ainda não sou adulta o suficiente para abandonar toda e qualquer insensatez. Ainda não cresci para deixar de viver a aventura. Ainda não virei gente grande em um monte de questões. Nem abandonei a franqueza.

Algo está mudando, como sempre esteve. Do que tenho, tudo, muito já me faltou e do que tive, não tenho mais. Os significantes variam. O sentido é o vazio (e o movimento).

Algo está mudando, como sempre esteve. Diferente é que agora eu vejo, sinto e reconheço o passar do tempo. (E respeito!) Quando era criança, me pensava jovem e achava que seria jovem para sempre: eu nem queria saber o passar do tempo... Agora que sou jovem sei que um dia deixarei de assim ser; o que atesta a minha juventude. Eu ser jovem não tem nada a ver com aparência física. Eu queria nunca deixar de ser jovem, mas vou. Algo está mudando, como sempre. Algo grande e estrutural se despede de mim, pedindo que eu sinta o prazer de estar bem aqui, enquanto o lobo não vem. Enquanto a morte não vem. E me gratifica por saudar a morte com alegria. Pois este é o pedido do tempo.

Quando eu for velha, serei sábia. Terei desaprendido a insensatez por excesso de calma. Terei esquecido a fome de viver. É que quando eu conseguir ser velha eu vou saber que o passar do tempo é a grande dádiva da vida. Quando a hora chegar o meu coração vai estar tão grande que o sentimento do mundo vai me abraçar. E a necessidade de existir que ora percebo será desapego.

As estruturas que perco me fazem ainda mais livre. Enquanto posso, ouço o silêncio confortável de não estar experimentando um vôo. Meu coração se agita quando o cérebro rememora o chão fora dos pés. Temo a Deus, mais nada.

Das máscaras que caem eu me despeço com lágrimas rituais. E o peso do meu coração cria asa.

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