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De mãos dadas



Ao ser desafiada a descrever em palavras a minha rotina na escola, meu coração vibrou. São múltiplos os sentimentos que me vêem ao pensar nisso e sinto-me convidada a olhar para trás. O meu dia a dia acaba de mudar, e estou feliz com isso. Estou renovada por isso. Era necessário que essa mudança se fizesse. Iniciei um novo ciclo a partir de 3 de agosto, por vários motivos. Através desse texto, tentarei colocar em palavras esse meu coração que, de agora em diante, não tem cabido na boca. Um coração transbordante e uma mente em busca de constante crítica e reflexão sobre a própria prática; eis o que lhes apresento.

Sou professora efetiva de inglês do Estado de Minas Gerais e iniciei minha carreira na escola pública através do trabalho de substituição de professores, como ainda muitos trabalham no universo escolar. Quando cheguei em Três Pontas, vindo de São Paulo e Belo Horizonte, a primeira casa que me acolheu foi a Escola Estadual Jacy Junqueira Gazola. Lá a experiência que tive foi rica e se mostrou fecunda para mim e para meus alunos. Leciono inglês, e desde o início me preocupo com a diferenciação das aulas para melhor endereçar os múltiplos estilos de aprendizagem dos alunos e as suas realidades dentro do ambiente da escola.

Quando passei no concurso, em primeiro lugar, pude escolher a escola em que iria trabalhar no meu município, mas o critério que utilizei na época para a escolha foi o número de aula disponíveis na escola, pois as vagas disponíveis eram todas com pouquíssimas aulas por semana. O Jacy sempre foi a Escola Estadual da minha preferência na cidade, não apenas por ser a escola mais próxima da minha casa, mas também por eu ter tido um experiência muito positiva como professora lá. Mas ali não havia vaga. Escolhi, portanto, em Março de 2013, a Escola Estadual Professora Maria Augusta Vieira Corrêa, mais conhecida na cidade como "grupo da Rinha", pois ali do lado funcionava tradicionalmente um local em que aconteciam apostas de dinheiro através brigas de galo, por isso "Rinha" foi o nome popular da escola por muitos anos. Ainda hoje quando me refiro ao "Maria Augusta" as pessoas não o conhecem até que se diga "Rinha". Mas isso é apenas uma curiosidade.



Na "Rinha" fui acolhida com muito amor por colegas, pais e alunos. O trabalho nessa escola fundamentou a minha prática e foi ali que coloquei em prática algumas das teorias que eu havia estudado, sendo que algumas delas funcionaram muito bem e outras muito mal. Mas, sobretudo, o que aprendi no Maria Augusta, foi que a essência do sucesso do ensino são as relações interpessoais na escola. Por imaturidade e por ser muito afoita por resultados, passei um pouco o carro na frente dos bois, e acabei por ser incompreendida em minha ânsia de fazer acontecer em minhas salas de aulas os chamados "eventos de leitura como prática social". Eu buscava incitar os alunos a pensarem e a negociarem os sentidos dos textos de língua estrangeira colaborativamente e também fizemos alguns projetos criativos que funcionaram, mas tanto alunos como gestão acabaram por chamar os meus esforços por "ensinar a pensar" em "não dar aula"; pois a concepção que tinham de aula estava muito arraigada a um olhar transmissivo da linguagem, em que conteúdos precisam ser ensinados de uma suposta maneira, absoluta; e que devem depois ser testados necessariamente através de testes. De fato, a dissonância ficou, em dado momento, gritante, e meu trabalho, difícil de mais. E o pior é que eu permiti que essa frustração abalasse a minha relação com os meus alunos e até com alguns de meus colegas, mas nada irreversível, graças a Deus.

No entanto, senti que ali eu já não conseguiria evoluir mais. Não havia espaço para experimentação devido ao desgaste das relações humanas. Após dois anos e meio de convivência eu tentava com todas as minhas forças me modificar em muitos pontos, mas o fracasso de algo que eu havia sido, a memória dos erros me impedia de conseguir colocar em prática o que era mais atual em mim. Era como se eu tivesse que conviver com pecados do passado eternamente e não houvesse a chance do perdão. Mas eu reconhecia os meus erros. E queria uma nova chance. Estava desmotivada, cansada, desanimada! E sabia que assim eu não conseguiria, que eu poderia ficar depressiva se continuasse. Precisava de um novo começo para tentar me colocar de outra forma. Eu pedi a Deus por uma nova porta. E Ele abriu.

Foi quando eu soube que havia uma vaga disponível no Jacy para professores de inglês. Soube também que poderia pedir mudança de localidade mesmo estando ainda cumprindo o estágio probatório de três anos. Nessa altura eu já estava também cursando o mestrado - estou agora no segundo semestre; o que muito me ajuda nesse esforço de reflexão sobre a minha prática.

Desde 03/08 comecei de novo. Tive a chance de explicar para as turmas com que trabalho, a lógica diferente da pedagogia que exerço e fui muito bem recebida. Ainda não sei de rotina, pois chego sempre meia hora antes, planejo mil vezes cada aula e vou para a sala com uma sacola enorme cheia de tesouros. Textos de múltiplos gêneros, muito material visual e o principal: o desejo ardente de fazer a diferença, mais uma vez. A rotina ainda vai aparecer. Mas espero que eu possa driblá-la com muita paciência, amor e o principal: um contagiante senso de humor. Pois dar aula é bem mais que cumprir propósitos educacionais, eu descobri: é ter a chance de compartilhar a vida e o encanto em poder aprender sempre, sempre, mais e melhor.

Agradeço a todas as pessoas que fazem e fizeram parte da minha história, pois são insubstituíveis, partes inseparáveis de mim. Que o ardor por trilhar o caminho do autoconhecimento nos guie a todos. Amém. "Vamos de mãos dadas". Drummond.


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