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Manter ou não o sotaque, eis a questão.

Olá pessoas amadas! Tudo em paz? Hoje estou no Conexão Três Pontas para lhes apresentar a mineira radicada em São Paulo, Janaína, formada em Letras pela USP e mestranda junto comigo em Linguística Aplicada pela PUC-SP.

No nosso último encontro no Culturalis, pedi para que vocês contassem as pequenas atitudes que vocês têm no cotidiano que servem para melhorar o mundo a partir de si mesmos.   Escolhi relatar a experiência de um bate-papo que eu tive com a Janaína para tentar fazer uma contribuição nesse sentido.

"Interessando-nos pelos outros, fazemos mais amigos em dois meses do que em dois anos a tentar que eles se interessem por nós", a sabedoria acima aprendi com o escritor americano Dale Carnegie, autor do best-seller "Como fazer amigos e influenciar pessoas". Que tal experimentar ouvir a estória que alguém totalmente diferente de você tem para contar?


 
Fazer amigos através de procurar conhecer a cultura e a história de alguém é um jeito de aprender com o outro. Creio que isso nos torna pessoas melhores; e ainda nos divertimos a valer! O convite que lhes faço neste dia é para que saiam do quintal de si mesmos e aceitem entrar para uma troca de ideias no alpendre de um outro alguém. Tudo o que você precisa é de olhos abertos, ouvidos atentos e coração amoroso. Vamos conhecer a Jana? 

Foi durante o intervalo de almoço na PUC que ela mencionou ser natural de Beagá. Disse que se sentia mineira, apesar de ter vivido praticamente a vida toda em São Paulo (ela se mudou com os pais e as três irmãs para a terra da garoa em meados dos anos 80, aos 5 anos). Vejam que interessante o que ela relatou:
"Meu pai sempre fez questão de que a gente mantivesse um falar maneiro, mostrasse isso no sotaque. Aí eu comecei a perceber que, ao longo da minha vida, eu sempre tentei manter alguns traços, principalmente o "r", "marrrrcar" bem o "r". Porque na minha casa se fosse falar "porta" - (aqui ela tentou falar o "r" como o que falamos em Três Pontas) - meu pai corrigia, ele falava: pára de palhaçada que vocês são mineiras, vocês não são paulistas. Isso sempre foi muito latente, assim, de mostrar: vocês são mineiras. Ele queria que mantivéssemos um linguajar da família, pra não perdê né? Se você perder esse traço da linguagem é como se você estivesse se distanciando da sua origem cultural."



"Um tenho um amigo que estudou comigo na graduação, esse menino é do interior da Bahia, e ele tinha assim um sotaque muito forte, da Bahia... Aí quando ele foi pra USP eu vi que foi perdendo assim... Mas ainda mantinha né? Isso porque era um menino muito calado. Aí rolou um intercâmbio e esse menino foi pros Estados Unidos, foi pra Washington, numa Universidade negra estudar num programa sobre relações raciais. Aí beleza, ele voltou, se formou e retorna de novo pra Washington; fez mestrado lá, aí emendou e continuou no doutorado. Ele já é formado. Aí encontrei com Edvan há dois anos atrás, quando ele voltou. Nós fomos jantar e não sei o quê e assim, ele mudou né toda a história dele tanto financeira quanto cultural... Aí ele sempre discutia essa coisa da linguagem comigo, essas variantes regionais; eu sempre discuti isso com pessoas que não são daqui. Aí Edvan vai, éramos umas seis pessoas (no restaurante) e ele sentou do meu lado e disse "Jana, Jana, acredita que eu perdi o meu sotaque? Nossa eu tô muito triste com isso. Eu acho que eu perdi o meu sotaque desde quando eu entrei na USP, pra eu me adaptar, ser visto como igual." Sendo que Edvan é assim negro como eu, vem de uma família empobrecida... Aí ele falou assim: "Desde a USP eu comecei a me adaptar." E adaptar, assim, não é dominar a variante padrão, não era isso. E sim falar feito paulista, aculturar paulistanamente. E então ele falou assim "e depois que eu fiquei lá em Washington estudando, agora que eu tô voltando já doutor né, com articulação e não sei o quê, eu to vendo que o meu traço que me identificava como bahiano mais latente que seria... o modo de falar, foi embora." E ele falou assim "Nossa, e eu fiz isso comigo". Ele usou essa palavra "eu fiz isso comigo". Porque é um ato de violência, pra você ver, ele via uma necessidade de uma inserção e... (pensou:) "eu preciso de fazer isso".

Jana também contou de uma mulher africana que ela conheceu numa universidade federal em Londrina, no Paraná, a qual lhe chamou a atenção pelo português brasileiro sem sotaque, o que fazia com que a identidade africana dela se ocultasse. Quando questionada sobre o fato de não apresentar traços de língua característicos de sua origem cultural, a moça contou que tinha praticado diariamente o português brasileiro, até aprender a falar sem sotaque, para parar de sofrer discriminação por ser negra, mulher e africana em uma universidade pública no sul do país. "Ela até comentou que conhecia um homem branco e português que não sofria discriminação alguma por seu português, pois a origem dele era uma origem européia, de prestígio", finalizou Jana. 

Agora é a sua vez de falar: o que achou da Janaína e da nossa conversa? O que você tem para contribuir para esse bate-papo? Como você percebe essa temática a partir da sua realidade? Como você se sente em relação ao seu sotaque quando você está fora de Três Pontas ou mesmo estando aqui? Você conhece pessoas que tentam neutralizar os traços característicos do linguajar trespontano para não serem notadas em suas origens culturais quando estão, por exemplo, na capital? Você conhece alguém que fez questão de "esquecer" o próprio sotaque e adotar para si mesmo um linguajar que é visto como sendo de mais prestígio aqui ou em outras partes do Brasil? Como você percebe essa questão? Entre para uma conversa amiga neste alpendre dos comentários da coluna Culturalis e permita que alguém aprenda com a sua história e a sua cultura. Esperamos a sua contribuição. Beijo no coração e até a próxima! (;

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