Esta é uma tentativa de fala a partir do meu lar, o coração. Há poucos dias me ocorreram fatos perturbadores, que em sua forma externa nada são; bobeiras corriqueiras. Mas, tiveram o poder de me agitar o peito, e, momentaneamente, fazer com que eu perdesse a paz. A constatação desse fato fez com que eu parasse para refletir. Era um convite para um mergulho profundo em minha consciência. Nada compra a minha paz.
Não, não vou relatar os fatos, pois eles nada contariam. Vou, no entanto, buscar descrever o que vivenciei dos fatos, o que se revela, ao final, bem mais interessante; suponho. Falo de algo grave e urgente. De um chamado ancestral e constante que vem da alma inconsciente da humanidade. Falo do convite do amor que nos foi feito e ainda é. O agudo e radical convite do amar. Convite este, que apenas os que têm coragem e muita fé, podem aceitar; ou melhor: querer. Eu quis. Mas, o curioso foi que bem depois de eu achar que já tinha aceitado é que ele se de fato revelou.
Eu achei que já tinha respondido ao chamado e o chamado não havia nem mesmo sido feito. Amar não era gostar, nem ter carinho e simpatia, muito menos ter companhia: era doar a vida inteiramente, e com total desapego, visando a elevação do outro, e mais e, sobretudo: sem expectativa de receber, por isso, um algo em troca. Amor, amor mesmo, poderia apenas ser desinteressado.
E observe uma coisa pontual: eu não estou me referindo ao desejo, à paixão, ou nada similar. O amor é certamente fraterno, implica a inclusão do outro no universo do si mesmo, é escolha de irmandade, lealdade e liberdade. Nada mais profundo e difícil. Nenhum compromisso mais libertador e acalentador. Mas fere. E cura. O amor que sinto não é meu. Ele é transbordamento do amor de Deus por mim que recebo, e repasso. É consequência de eu ter aprendido a agradecer por tudo o que vem; principalmente à dor – essa mestra. Pois, como eu poderia ter esforço de bondade sem pretender ser ferida?
Eu já deveria contar com a eventual agressividade do outro sobre mim. Sei em que mundo vivo. Apenas o muito forte, aquele capaz de muito amor, sabe não se descontar no próximo. Apenas o muito sábio. E, sabendo que não sou assim, porque esperaria algo diferente de outrem? O esforço é também de coerência, veja bem. Eu busco ser fiel a quem sou – e infiel a quem penso que sou. Pois Deus sabe de mim muito mais do que eu mesma – e eu preciso saber ouvir a voz silenciosa Dele. E, como disse, eu tento.
Há pouco tempo voltei a frequentar a missa e a levar com seriedade o meu compromisso de reflexão sobre os valores cristãos apresentados no Evangelho. Inclusive, não sou crismada e agora vou ser. De fato, identifico‐me muito com Cristo, sou, por assim dizer, uma fã. Vivemos na era em que é banal falar de ídolos e seres humanos idolatrados (as celebridades) e um tabu enorme perpassa as conversas sobre o Cristo e todo o seu mistério. E já que todo mundo é fã de alguém, eu sou fã Dele. Quero ser como ele. Imagina que glória oferecer a minha outra face ao meu agressor, que se esgueira, se esconde e nunca se declara abertamente inimigo? Que graça a de poder não reagir ao mal que a mim se direciona! Para o mal não quero ter olhos, nem ouvidos e principalmente, não quero ter boca. Nosso maior inimigo tem morada dentro de nós.
Ao buscar desvendar a alma, ela se manteve escura. Havia sempre a sombra, impossível de ser eliminada. Após um tempo de luta e convivência com a dualidade do ser ‐ esta realidade ‐ reconheci: a luz devia sua visibilidade à sombra e, assim, sua beleza. Toda a beleza que meu ser contém, é misto de luz e sombra; fruto de imperfeições bem aceitas e acolhidas. Toda a beleza visível no mundo é empatia e boa vontade no olhar – identificação do mundo interior nos objetos exteriores; reconhecimento. Inocência no sentir. Harmonia entre mente e coração.
Reconhecimento algum pode ser eterno. A necessidade constante de validação exterior expressa fragilidade interior (companheira nossa!), insegurança, medo, esvaziamento do ser. O ser validado por Deus não necessita da aprovação dos seus pares – a confiança nessa fonte estável de amor lhe abastece. Eu, vira e mexe, estou vazia. E justo nessa hora Deus vem e me enche com a sua misericórdia. Aprendi recentemente a buscar. E me sinto tão agraciada por ser como sou; quebrada e fragmentada, que tenho parcialmente a impressão de ser una. E o dia nasce outra vez.
De tudo isso nasceu em mim um novo estilo de jornalismo e, nele eu não relatarei os fatos que experimento exteriormente – mas as impressões profundas que essas experiências me causaram. O ponto de vista único de minha alma. Do convite de amor que diariamente recebo, já contei. E da mania de autoanálise que me acomete, creio, nem preciso contar. Mas vou dizer do desafio de me olhar bem de frente e sem véus. Desafio de verdade; verdade interior refletida e reflexiva.
Relato de vida; compromisso de ser quem sou e de amar o outro (e antes, o outro de mim). Risco de ser livre. Dom de oferecer o que tenho para ganhar totalmente free o que sou. Sou mais os pássaros voando mesmo, do que presos nas mãos.
Sigam‐me os bons. Aqueles que rasgam o peito e não se negam a amar um pouco além dos limites conhecidos. Os conscientes de que a dor é a sombra do amor. Sigam‐me os que acreditam que uma vida vivida sem amor é desperdício. Venham os que não se cansam de olhar para nuvens e crer no impossível; que a vida vivida, aquela que vale a nossa morte, existe somente onde houver poesia.
Paula Beckher
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