Nem todo mundo sabe, mas os direitos culturais
do cidadão são direitos fundamentais, isto é, devem ser garantidos pelo Estado.
A Constituição Brasileira de 1988 garante a todos o pleno exercício dos direitos
culturais (art. 215) e aponta como direitos culturais as formas de expressão,
os modos de criar, fazer e viver, as criações artísticas, científicas e
tecnológicas. No famoso artigo quinto - aquele que trata dos direitos e
garantias fundamentais do cidadão e que infelizmente ainda pouco é conhecido
pela maioria dos interessados; nós - a Constituição garante o livre exercício
dos cultos religiosos, a livre expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, e os direitos autorais. A educação aparece como
direito social no artigo sexto e como direito cultural nos artigos 205 a 214.
Eu, que sou educadora e agente cultural, não
consigo deixar certos desaforos passarem. Eu tento, mas quando percebo já
reagi. E como não sou a única, nem tenho os privilégios dos múltiplos desaforos
sofridos pelos meus conterrâneos brasileiros todos os dias, estou fazendo como
o meu comparsa Tom Zé: "estou estudando pra saber ignorar". Mas há
coisas que não consigo mesmo ignorar, mesmo me esforçando. São tão repugnantes
aos meus olhos: são como uma barata no chão da sala de estar. Argh!
Meu estilo de vida é quase sempre zen, apesar de
eu ser frenética (isso ora me dá prazer, ora me esgota). Uma das filosofias de
vida pela qual eu mais me sinto atraída é a budista. E de acordo com ela,
amigos, não se mata nem mesmo baratas, acreditam? Isso faz o maior sentido para
mim. Apesar de o meu corpo ter sido feito para viver a éons de distância dos
grotescos insetos - também filhos de Deus, como dirão os budistas – faço o que
posso para não os matar! Quase sempre consigo.
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Resisto à tentação e não piso na barata. Só jogo um pouco de veneno pois não gosto de sentir o corpo a corpo com a barata, mesmo que a parte do meu corpo que a toque seja a sola do meu sapato. |
Assim, renuncio com esse texto, ao desejo de
pisar nas baratas, que são, para mim, as pessoas que ocupam cargos públicos e
os usam para fins escusos de culto à vaidade pessoal (entre outros cultos
individualistas). Quem sou eu para dizer que alguém faz algo de clandestino no
país da corrupção? E quem não é vaidoso? Eu não sou? Sou. Mas não ocupo cargo
público e nem fico me vangloriando de fazer muito, quando estou simplesmente
fazendo o que me é atribuído fazer. Sou eu. Esta mesmo que lhes fala. Não
aceito conformidade com a desonestidade. Não aceito as desculpas e as
afirmações de "aceite, pois é mesmo assim". Quer um exemplo? É pra
já! (Até dois!)
Meninos que crescem e são educados por pais (e
pasmem!) mães para levar adiante um ideal machista e opressor tanto para a
mulher quanto para o próprio homem; um modelo perpetuador da violência
generalizada. Foi vendo fotos sobre a "Marcha das Vadias, 2013" de
Belo Horizonte que pensei o quanto esta sociedade incoerente em que vivemos se
escandaliza com palavras fortes, como vadia, por exemplo. O termo que é usado
pelos líderes do movimento feminista para designar a mulher livre que tem
plenos poderes sobre seu corpo, sentimentos, vida, mas convive com a violência
banalizada dentro de sua casa, de sua cidade, de seu pais. Muitos ainda
convivem passivamente com a realidade de mulheres que não são respeitadas como
gente.
Quer mais? No último evento cultural de Três
Pontas – na Orquestra dos Fuzileiros Navais, no último domingo - fiquei
contrariada ao ver o quanto a população não está nem aí para os mais velhos. A
prefeitura e a secretaria de cultura daqui têm feito das tripas coração para
serem politicamente corretos e "mostrarem serviço"; mas em termos de
política cultural eles são ainda bastante conservadores e elitistas: o que pode
ser notado pelos eventos culturais que são por aqui priorizados. O foco é
apenas satisfazer a elite, formadora de opinião; mesmo que a maioria da
população esteja mais do que nunca desassistida e desrespeitada em seus
direitos fundamentais. Até quando a política da boa vizinhança entre poderosos
vai valer mais do que o bem da maioria?
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Foto da Marcha das Vadias de Belo Horizonte. Manifestação a favor da liberdade das mulheres e contra qualquer forma de violência ao mais fraco, simbolizado pela figura da mulher na sociedade |
O chamado "Sarau no Quintal" é tido
como um espaço democrático de expressão cultural das mais diversificadas artes
locais; mas ele nada mais é do que a vitrine cultural da cidade, em que uma
certa elite – que, se concorda em jogar o jogo respeitando as regras definidas
pela secretaria continuará a ter espaço para expressar sua arte, caso contrário
estará fadada ao temido esquecimento (ai que meda!) - desfila talentos e
virtudes nem sempre inatos. O espaço disponível para as apresentações é
regulado rigorosamente pela secretaria que - pasmem! - elabora um roteiro bem
justo das atrações e os repassa para os artistas (por eles também escolhidos a
dedo!) para a reprodução de sua idéia (de marketing!) e deixa pouco (ou
nenhum!) espaço para manifestações espontâneas; quase nenhum lugar para
iniciativas que partem não do poder público, mas da comunidade, de seus anseios
por exercer seus direitos culturais (lê-se as formas de expressão, os modos de
criar, fazer e viver, as criações artísticas da população!), o que é o comum nos
chamados "saraus" de cidades vizinhas que têm a sorte de poder saber
o que é direito cultural e vivenciá-lo. Não percamos a esperança.
Também acho o ambiente de muito bom gosto e eu
mesma já fui atração por lá. Precisei, no entanto, me afastar por causa dessa
pequena "diferença". Não gostaram de eu ter colocado o que eles
pareceram julgar "amadores": adolescentes lendo textos, de autores
muitas vezes desconhecidos. Esperavam algo mais ensaiado, menos verdadeiro,
mais espetacular, menos real? O dado é que após eu ter feito a intervenção
literária no primeiro sarau com estudantes das escolas da cidade lendo textos
de sua escolha – com a finalidade de incentivá-los no desenvolvimento da
retórica e da exposição pública – o meu espaço no Sarau foi reduzido drasticamente.
E eu não estou falando sobre ter ou não "o
que fazer" em Três Pontas. O discurso que mais escuto por aí é o de que a
nova administração está bem melhor que a anterior em termos de gestão cultural
e neste ponto, chego a concordar. Só que isso não exclui o que ainda anda
errado dentro da secretaria que historicamente se mostrou a mais sanguessuga e
ociosa da cidade. Mas, Pai, que falta de inteligência, fazer isso logo com a
Cultura, o bem maior de um povo? Não vêem que todos perdemos com isso? Que seus
herdeiros perderão com isso? Ninguém está imune ao grande mal que é perder a
memória histórica e cultural. Mas, tradição é tradição; não se supera da noite
pro dia.
A forma de encarar a arte e o fazer artístico é
o que me separa de quem rege a cultura atualmente em Três Pontas. A luta
sincera (e não de fachada!) pela democratização da cultura e pelo acesso à
população menos favorecida aos espaços centrais na cidade para viver,
falar, andar, dançar e cantar de acordo com suas visões particulares, visões
culturais, históricas - visões genuínas, é o que não me deixa lutar lado a lado
com o poder público. E como defendo ideais, antes de defender pessoas, acabo
sendo vista como alguém que cria confusão. "Crio confusão" por usar a
minha voz para falar o que sinto sobre o que vivo. "Crio confusão"
pois denuncio em minhas letras a opressão que sinto, que é a opressão da
maioria dos brasileiros, quando o assunto é cultura e expressão artística,
religiosa e de identidade.
Com os budistas estou aprendendo o profundo
valor da tolerância e da coexistência. A raiva e a frustração expressas,
sozinhas, não poderão levar a lugar algum. A diplomacia e a concordância com a
esperteza não fazem o meu estilo, não me vendo nem caro nem barato. Portanto,
respiro e convivo com o que é para mim inaceitável. Convivo, mas não aceito.
Não posso aceitar, sob pena de me corromper e de desprezar a mim mesma! Peço,
apenas, encarecidamente, que repensem a exploração de pessoas carentes e
sedentas por arte e cultura (sejam estas os artistas ou a população) com a
finalidade de sustentar um discurso que não cola: o das finanças municipais em
estado de emergência.
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Arte do Sarau no Quintal que será realizado pela Secretaria de Cultura nesta semana. |
Que há o orçamento anual para a Cultura todos
nós adultos sabemos, mas muito poucos de nós estão sabendo realmente quanto ele
é e em que está sendo empregado. Muitas melhorias estão aparentes. Mas, please,
sem essa de se dizerem orgulhosos por fazerem o sarau sem gastar NADA (!), pois
o trabalho daqueles artistas (quase todos profissionais) não está sendo pago,
mas o ordenado do pintor da Casa da Cultura não tem como entrar na barganha por
visibilidade: pra isso sai dinheiro, né pessoal? Pra arrumar a Casa da Cultura
há dinheiro, mas pra fomentar a classe artística, nunca houve, ninguém nunca
viu dinheiro para isso. Desse jeito vai ser difícil para nossas cantoras
divinas e nossos músicos talentosos irem adiante, pois não terão tempo hábil
para se dedicarem a seu ofício: estarão ocupados de mais trabalhando para
sobreviver, com alguma atividade alternativa que lhes insira nas atividades
produtivas da sua comunidade, como a de pintor, por exemplo. Isso é assim, pois
o órgão local responsável pelo fomento está preocupado mesmo é em usar de graça
a graça dos artistas. E nada de apoiar a estruturação do mercado de arte e
cultura locais. E ainda abusam da nossa inteligência ao se vangloriarem do que
estão fazendo! Algo extraordinário fazer tanto e ainda economizar, não é?!
Coisa de heróis, não de simples seres humanos.
Mais respeito à classe artística que também
precisa crescer e sobreviver, por favor! E transparência também. Chega de
propaganda política descarada. Cultura para o povo é obrigação da secretaria,
não virtude. Que os líderes municipais possam alinhar o discurso de suas ações
culturais para que elas sejam mais cultura e menos propaganda enganosa daqueles
que ocupam cargos públicos municipais. Lembrem-se de que precisamos pensar bem
mais além disso; pois vão-se os dedos e ficam os anéis. Pelo progresso
estrutural da cultura em nosso município para muito além dos partidarismos
políticos e dos interesses da classe que agora ocupa o poder! E pela cara de
pau sempre que possível exposta na vidraça, pois como sabemos, o mundo é bem
redondinho!
Ah, e quanto à assinatura do termo do SNC (o
Sistema Nacional de Cultura; explicações sobre ele no blog da Secretaria de
Cultura) – que aconteceu depois de eu muito insistir - fico feliz com o
ocorrido; e continuo na espreita daqui para que o bem público seja colocado
antes das vaidades pessoais e ligações políticas. Quero ver quem da sociedade
civil vai participar na definição do que é prioridade na elaboração do Plano
Municipal de Cultura para os próximos dois anos. Espero que isso também não se
extravie em politicagem e luta por manutenção do poder, pois isso enche o
saco de quem trabalha para um progresso contínuo e sustentável. Que esse
movimento pela democratização não se desvie em perseguição de adversários
políticos e construção de super ídolos ou adversários políticos do povo. Que
cada um que ocupa o poder tenha em mente que a pedra que lançamos uma hora
acaba por cair no nosso teto que também é de vidro. Vejam o exemplo da gestão
anterior e vamos aprender! Que o bem maior da população seja SEMPRE colocado em
primeiro lugar! E assim seja!
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