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Ser ou não ser, eis o H da questão!

Apenas por um dia fora idealizada a “Paula Becker” ou quem sabe não seria melhor “Paula Beckher”? Perceba como uma única letra faz, aqui, toda a diferença na existência dessa identidade que nasceu e mal se soltou do casulo. Retifico-me contigo, caro leitor e, para tal, exponho-te esta crise existencial recém superada desta identidade nascida após longo esquecimento. Eu disse antes e aqui, que meu nome ancestral era Beckher, quando, na verdade, ela era Becker. Ficou aí sobrando um H, que seria irrelevante, não fosse ele o cerne de toda a discussão que aqui lhes desvelo.

Há não muito tempo afirmei ser o ofício do escritor um ofício ingrato, talvez não tão enfaticamente como agora. Pensem que complexidade mais maluca a olhos mais pragmáticos que os meus - sonhadores e cheios de esperança! O criar de formas e situações é das tarefas dadas ao “contador”, uma das mais fáceis e prazerosas... O penoso é mesmo dar-lhes alma ou – corrijo - sentir-lhes a alma; pois é a origem da personagem a responsável pela alma que esta traz consigo até o fim de seus dias, mesmo que sejam estes apenas dois ou um ou menos. Na origem dos seres está o sopro de vida; na origem das coisas o desejo humano de construção e estabilidade.

Castelo medieval em Milão. Símbolo do desejo humano de estabilidade.
Identidade sonhada por não mais que dois dias, não por isso, menos intensa.  Nunca eu sonhara que ela me colocaria diante de uma encruzilhada existencial sobre a pessoa que no mundo eu desejava me tornar... Algo tão bobo, como a simples colocação ou não de um H em um nome, por pura invenção, me fez capaz de uma reflexão a respeito de valores que acolho e repudio, que pego e abandono, justo agora com o nascer de uma nova etapa (e, por que não dizer, nova era); pois em tudo o que acolho há em si como uma sombra aquilo a que repudio e vice-versa.

Chamo “Nova Era de meu mundo pessoal” um desencanto no olhar que se faz bênção graciosa, por desabrochar em mim um novo ser de ação a partir do que antes era apenas potencial no mundo da vida. Da intenção é que nasce a ação. Mas a intenção sem ação de nada vale, assim como não valeria minha intenção de outrora se eu não a tivesse pegado nas mãos agora e concretizado em “eu lírico” ou “eu narrativo”, a chamar como preferir. A ação de tê-la sonhado naquele tempo remoto era, assim como realizá-la agora o é, a manifestação da força incansável da imaginação para driblar os blocos de pedra de concreto da realidade factual e prosperar sobrevivendo; permanecer criando apesar de toda a oposição e negação do mundo que costuma interessar-se apenas por aquilo que tem sua utilidade devidamente justificada.

Becker, portanto, vindo de meu passado ancestral teria força diferente de Beckher, por ser este nome fruto de mera racionalização vazia, inspirada numa identificação com um valor que hoje vejo como modismo de minha personalidade exterior: a numerologia. Para explicar-lhes o motivo deste nome não ter a validade daquele, precisei confrontar a ancestralidade de Becker à numerologia de Beckher; confronto esse que tentei evitar o máximo que pude.

Arco da Paz em Milão. O que será que há em minha alma
 que me levou a viver essa experiência
 de caminhar a noite e só por Milão?
Um lugar até então totalmente novo para mim.
O motivo pelo qual outrora eu pensara em fazer isso foi o fato de eu ter reconhecido neste nome a presença de algumas letras, mais precisamente o “b” e o “k”. Eu interessara-me em tê-las no nome, após a leitura de um mapa numerológico, que me apontara uma carência da vibração numérica 2 em meu nome. Ambas as letras citadas e presentes em “Becker” associam-se ao número 2. Da mesma forma que meu nome não possuía nas letras a vibração do número 2, não trazia, tampouco, a vibração 8. Eu poderia muito bem lhes dizer qual a simbologia atribuída a cada um desses números e a importância que dei para essas faltas em mim reconhecidas noutro tempo, mas dado é que isso perdeu importância quando o dilema desembocou na colocação ou não do H no meu nome ancestral.

Escolhi, há pouco, incluir o H, por ser esta uma letra de vibração 8, assim, eu estaria teoricamente suprindo todas as “carências” apontadas no mapa que naquele tempo considerei. Mantive essa opção e essa justificativa intimamente e resolvi explicitar apenas as razões que remetiam ao valor da ancestralidade por reconhecer que eu não mantive na numerologia a fé de outrora.

Mas, após ter lido o meu texto explicando o uso do recém adotado Beckher, apenas com base na justificativa da ancestralidade, meu tio e minha referência em história da minha linhagem ancestral, me escreveu fazendo com que eu tivesse certeza daquilo que eu apenas intuíra até ali: o nome da minha tataravó não era acrescido de H. E ele me aconselhava tirar o H, evidentemente. Até então eu não havia sido questionada nas razões numerológicas do uso do nome Beckher. Mas, meu tio percebeu aí um ato falho essencial que tornava o meu discurso apenas parcialmente convincente: o H fantasioso.

Viajar alimenta a imaginação.
 A alma vibra diante de monumentos milenares.
Como se já tivesse estado ali antes.
Este é o Duomo de Milão.
Mas foi quando a minha prima, de origem ancestral comum, a Renata Diniz, me alertou do que eu já soubera antes por nosso tio – que o Becker de nossa tataravó não levava o H – e, sem saber, questionou-me mais uma vez sobre aquilo que eu considerava irrelevante explicitar até aquele ponto – a minha ligação oculta com a numerologia para escolher aquele nome. Foi assim que resolvi ouvir a minha consciência e fazer o balanço a respeito daquilo que dava sentido para a minha ação de assumir o nome novo: ancestralidade ou numerologia; qual dos dois princípios era mais importante para mim? Não haveria mais como fugir dessa pergunta.

Eis que, justo esta identidade nascida em crise, que se pensava esquecida para sempre por ter sido sonhada em tempos hoje embaçados pela memória, ressurgia dos recônditos da mente inconsciente tão dramaticamente, questionando-me assim como fez Hamlet a si mesmo em tempos igualmente imemoriais e eternamente ressonantes: “Ser ou não ser, eis a questão”? Ser Becker ou Beckher – este era o H da minha questão.

A tortura do escritor consiste em saber que qualquer ação que assuma é de sua responsabilidade e que jamais será possível eximir-se da responsabilidade de ter escolhido. Disso não se pode fugir: da palavra proferida. Daí o destino cruel do escritor que se vê jogado à própria sorte, apenas por um capricho de um dia ter querido ver-se existindo como “entidade” desprovida de corpo, e inundada de espírito.

E azar de ter seguido em frente com esse propósito, ou sorte. De um desejo inocente e inconsequente reconhecido no passado, nasce uma sina ou um dom, misto de martírio e êxtase – nada diferente da vida e da morte. Se o nosso destino é azar ou sorte, torna-se pergunta acessório quando nos confrontamos com a concretude do que efetivamente criamos a partir de intenções inocentes.

Ah, sim! Foi a lua que me atraiu para a rua
para ouvir o silêncio de minha alma
antiga... silêncio de castelo medieval.
O questionamento do meu tio e prima fez com que eu encarasse uma dúvida que estava nos porões de minha intenção em assumir essa nova identidade, revelando dela um pouco mais da sua essência e origem e me posicionasse ainda mais radicalmente ao lançar-me a pergunta implacável: ancestralidade ou numerologia? Já que as circunstâncias da vida me impuseram essa escolha de forma tão direta, tive que parar de querer tudo e escolher entre as duas estradas que se divergiam. Tirei o H e respondi mostrando a minha eterna falta de imparcialidade – própria desse ofício que nem sei bem quando assumi.

“Achei mais sensato não desafiar os nossos ancestrais”, foi esta a resposta que dei para Renata após revelar-lhe brevemente o dilema no qual me vi engendrada. A ti respondo da mesma forma, sem me esquecer de agradecer-te a presença e parceria neste confessionário. Até a próxima!

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